O atual ciclo econômico brasileiro de 2023 a 2025 apresenta um “paradoxo” que ocupa os analistas.
O PIB cresce acima das expectativas, o emprego está em alta e a inflação está relativamente comportada – mas isso não se traduz em popularidade.
O índice de miséria, tradicionalmente um bom preditor de aprovação presidencial, descolou-se completamente do sentimento popular.
O paradoxo, porém, só existe para quem olha os dados errados. A classe média brasileira não é ingrata, nem desinformada. Ela apenas sabe fazer uma conta que Brasília esperava que ela não fizesse.
A conta é simples: quanto tiraram versus quanto “ devolveram”. Entre 2023 e 2025, a classe média brasileira – definida aqui como trabalhadores com renda entre R$ 3 mil e R$ 7,5 mil – foi submetida a uma extração sistemática de renda por decisões deliberadas de política econômica. Uma “retirada em câmera lenta”.
O primeiro ato dessa extração é o arrasto fiscal: a tabela do Imposto de Renda não foi corrigida pela inflação. O resultado é que aumentos salariais nominais foram parcialmente capturados pelo governo.
Estimamos que a movimentação de salários resultou em uma absorção de 1,5% a 3% da renda bruta via IR e contribuição previdenciária. O trabalhador produziu mais, mas o governo ficou com a diferença.
O ambiente macroeconômico desse período foi caracterizado por um impulso fiscal expressivo em 2023 e 2024, executado em meio a uma baixa credibilidade da política econômica, marcada pela busca incessante por receitas para equilibrar o orçamento.
O segundo ato é a espiral de juros: o impulso fiscal de 2023-2024 forçou o Banco Central a manter juros em patamares contracionistas.
Embora a inflação permaneça controlada, a necessidade de manter juros em patamares contracionistas — uma resposta direta à postura fiscal expansionista — tornou-se um peso crescente sobre o orçamento familiar.
Dados indicam que as famílias dedicam hoje aproximadamente 28% de sua renda apenas para o serviço da dívida.
Nos trimestres mais recentes, observa-se que a concessão de crédito à pessoa física tem se concentrado em linhas mais caras (como rotativo e cartões), sugerindo que a renda corrente não tem sido suficiente para suportar o nível de consumo desejado ou necessário.
O terceiro ato é a “taxa das blusinhas”: produtos importados de pequeno valor, que funcionam como uma válvula de escape da classe média, tiveram seu preço efetivo elevado em 45%. O volume de importações caiu um terço.
O governo chamou isso de “política industrial”, mas o povo percebeu que realmente é mais um imposto. Pesquisas de opinião reforçam a impopularidade da taxação, que é amplamente percebida como um mecanismo arrecadatório para cobrir o déficit fiscal.
Visando 2026, o governo e o Congresso aprovaram a medida que isentará do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil, com isenção parcial para rendimentos até R$ 7,5 mil.
As estimativas apontam que o impacto máximo de alívio será de 6,7% da renda bruta para quem ganha exatamente R$ 5 mil, enquanto o impacto mediano para todo o grupo beneficiado gira em torno de 3,1%.
A desoneração concretiza uma promessa de campanha voltada para uma camada da sociedade que sentiu uma pressão relevante sobre sua renda líquida vinda da tributação (sem correção da tabela), do custo elevado do crédito e dos novos impostos sobre importados.
O quarto ato é o aumento generalizado de tributos. A busca incessante por receitas para tapar o rombo fiscal resultou em elevação de arrecadação via impostos indiretos, aqueles que incidem sobre o consumo e afetam desproporcionalmente quem ganha menos. Cada ida ao supermercado, conta de luz ou tanque de gasolina inclui uma parte do governo.
Façamos a conta para um trabalhador que ganha R$ 5 mil por mês — o centro exato da faixa que o governo diz estar “beneficiando”:
Agora, a “generosidade”:
O resultado disso é que tiraram R$ 450 e devolveram R$ 335 – ou seja, a população está R$ 115 mais pobre por mês. E esse é o melhor cenário, para quem ganha exatamente R$ 5 mil e recebe o impacto máximo da isenção.
Para a maioria dos beneficiados, o impacto mediano é de apenas 3,1%, ou cerca de R$ 155, contra R$ 450 de perdas.
O governo apresenta a isenção como “renda extra” – dinheiro novo entrando no bolso do trabalhador – e fala em “a maior desoneração da história”.
Mas não existe renda extra. O que existe é uma restituição parcial de perdas já consumadas. É a diferença semântica entre dar e devolver, e a classe média entende perfeitamente essa diferença.
Com essa alteração, o contingente de trabalhadores isentos subirá de 70% para cerca de 85% da população ocupada.
Impressionante, mas, se 85% da força de trabalho brasileira ganha tão pouco que não deveria pagar Imposto de Renda, isso é um atestado de fracasso.
A ironia suprema é que a isenção do IR precisa ser financiada. Como o governo não pretende cortar gastos, o dinheiro virá de mais impostos sobre os “ricos” (definição em expansão), mais impostos indiretos sobre consumo ou mais inflação via expansão monetária.
Em qualquer cenário, adivinha quem paga? A mesma classe média que supostamente está sendo “beneficiada”.
O governo tira do bolso esquerdo, devolve metade para o bolso direito, e chama isso de política redistributiva. “Redistribuição” no Brasil significa tirar da classe média e dar para a classe média, menos a comissão do intermediário, que fica com o governo.
Em um cenário político polarizado, a medida não terá impacto determinante sobre a disputa eleitoral. A razão é precisamente a aritmética: o eleitor sabe que está no prejuízo.
O próximo ano vai combinar a desaceleração do emprego – movimento já em curso – com a manutenção do alto comprometimento de renda.
As famílias continuarão dedicando quase 30% do que ganham para pagar dívidas, enquanto o governo celebra ter “devolvido” uma fração do que extraiu.
O risco para o incumbente permanece vivo: qualquer deterioração adicional da percepção econômica pode agravar significativamente sua avaliação. A isenção do IR já foi o último trunfo.
O paradoxo entre indicadores econômicos positivos e baixa aprovação nunca existiu.
O que existiu foi uma leitura equivocada de quais indicadores importam. O PIB cresce, mas a renda disponível da classe média — aquela que sobra depois de impostos, juros e preços inflados — encolheu.
O emprego está alto, mas servir dívida a 28% da renda não deixa muito espaço para gratidão. A isenção do IR é apresentada como generosidade quando é, no máximo, uma admissão tácita de que a tributação havia se tornado confiscatória.
Não é um presente. É uma restituição parcial. A classe média brasileira não é ingrata. Ela sabe fazer conta. E a conta não fecha.
Walter Maciel é o CEO da AZ Quest Investimentos.
André Muller é o economista-chefe da mesma gestora.
The post OPINIÃO. Na ‘reforma’ do IR, o Governo dá com uma mão – e tira muito mais com a outra appeared first on Brazil Journal.

Enel Divulgação/Enel O Estado de São Paulo vai romper o contrato com a concessionária Enel, segundo anunciaram nesta terça-feira (16/12) o governador Tarcí

